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Notas sobre o amor na clínica - ou, uma crítica a monogamia

Grupo Reinserir

“O amor deve ser como uma gaiola… sempre aberta”.

A citação que inicia esse texto veio de um atendimento dum dia que meus companheiros da clínica, a quem chamo contraditoriamente de “pacientes”, escolheram, não propositalmente, me colocar a ouvir e pensar sobre o amor, sobre as relações. A metáfora foi a seguinte: você é pássaro e a relação é gaiola-habitat que oferece alimento, repouso, descanso e alguma proteção. Se usada doutra forma, vira cárcere, violência e perda de sentido e identidade; o que é um passarinho sem asas? O comparativo é, por si só, de tamanha profundidade que renderia rios de reflexões. Mas nos atentemos a uma: a relação se dá entre dois - ou mais - pássaros, necessariamente, a porta aberta é o combinado, o pacto, dito ou não, sobre até onde se pode voar. O trauma vem quando o pacto é cindido (aqui, assista o vídeo “POR QUE A TRAIÇÃO DÓI?” de Maria Homem), a dor, a sensação de abandono, o sofrer por não ser suficiente - como se alguém o fosse. Mas porquê dói? Aqui, pra mim, vale a pena retomar a Monogamia como conceito estruturante da nossa construção enquanto sujeitos; isto é, um modelo estrutural (que sustenta o modelo político-econômico em que vivemos) de relações que aprendemos de maneira passiva desde que nos encontramos como fulano nessa sociedade (a socióloga Marília Moscovitch fala disso bem melhor que eu). E aí? Daí buscamos incessantemente alguém que dê conta de todas nossas demandas, um único alguém, que dê conta da nossa carência, das nossas conversas, da troca de memes, da manutenção da vida de uma casa, do calço da mesa que pende desde que nascemos por que fomos convencidos de que nascemos faltando alguma coisa. E preste bem atenção: esse alguém não existe. É preciso sustentar nossos desejos, limites e dores. E não depositar em alguém, por que dividimos a cama e o sexo com essa pessoa, a responsabilidade de nos guiar. No final, é sobre existirem muitas gaiolas e muitos pássaros, que se alimentem, se protejam, e não se prendam.